sexta-feira, 26 de junho de 2009

Cléo Verberena




(Amparo, São Paulo em 26/06/1909 - São Paulo em 1972).

Jacyra Martins Silveira era o verdadeiro nome de Cléo Verberena.

Aos 15 anos, foi para São Paulo completar os seus estudos, não com o objetivo de fazer alguma carreira — algo bem distante das ambições familiares daqueles tempos — mas para adquirir certo requinte que lhe permitisse um bom casamento, preferencialmente, com um fazendeiro, o típico sonho dos pais interioranos para as suas filhas.

A futura Cléo Verberena estudou piano, praticou bordados, teve suas lições de francês. E, sobretudo, frequentou muito o cinema.

Seu ídolo era comum a toda sua geração: Greta Garbo. Jacyra não se limitou a admirar os belos traços de sua atriz preferida. Foi além: estudou-lhe a interpretação, captou as nuanças de suas reações e logo compreendeu que, atrás disso tudo, havia uma série de fatores contribuindo para o fascínio de Greta: a iluminação adequada, os enquadramentos da câmera, alguém oculto dentro do filme, comandando as ações. Ao começar a namorar o fazendeiro César Melani, que conheceu numa festa, discutiu com ele essas coisas. O fazendeiro dos sonhos da família era um empobrecido rapaz que, não obstante, tinha grande imaginação. Nessa, não estava incluído, ainda, o cinema, apenas um elemento a mais do cotidiano.

Os dois se casaram. Entre os convidados à modesta festa, alguém trouxe uma câmera cinematográfica para filmar o casal. Mera gentileza, disfarçada em brincadeira, que marcou o destino de ambos.

As luzes dos refletores os guiaram ao cinema. Jacyra trocou seu nome pelo de Cléo. Seu marido trocou suas terras pelo sonho.

O cinema, como realização, começou a ser mais um sonho, considerado inatingível pelo jovem casal. Jacyra sentia-se orgulhosa ao ser comparada a Greta Garbo, fato freqüente. Ao marido, entretanto, confessava que, em cinema, ela saberia bem o que fazer: ficar atrás das câmeras, dando vida às imagens, movimentando os técnicos, fazendo viver a história. E, claro, isso não eliminava a vontade também de aparecer na tela. O marido concordava nas divagações — ele também gostaria de ser alguém, não só fotografado, mas possibilitando igualmente a realização dos filmes.

Então, aconteceu algo digno mesmo de cinema. A avó de César morreu, deixando-lhe largas terras de herança. O ex-fazendeiro voltou a ser fazendeiro, mas por pouco tempo. O cinema paulista ganhou um novo produtor. O cinema brasileiro também ganhou sua primeira diretora.

César alugou uma ampla casa na rua Tupi e, nos fundos, começou a construir o seu estúdio, grandiloquentemente batizado de Épica Filmes. A maioria dos produtores paulistas trabalhava com câmeras caindo aos pedaços, algumas até com projetores adaptados. César entrou no ramo, por cima, importando sofisticados equipamentos da França, junto com seus técnicos. Os fundos da casa da rua Tupi, encheramm-se de arcos voltaicos, câmeras, peças de cenário. Para o pequeno César, filho do casal, aquilo era um enorme divertimento.

O mundo cinematográfico paulista foi formado por grupos mais ou menos fechados entre si, que frequentemente se cruzavamm, mas raramente se misturavam. Quando ocorria algum acontecimento notável, porém, — como a criação de um grande estúdio — todos eram atraídos pelo mesmo foco. A Épica Filmes começou a ser frequentada por Tártari, Antonio Medeiros, todos os velhos batalhadores da infância dos filmes paulistas.

Por lá, também apareceu Nacaratto. César confiava na habilidade técnica destes experimentados artesãos; desconfiava, entretanto, de suas sensibilidades artísticas. Ao pensar no seu filme, conjugou a seu dinamismo de antigo empresário, os conhecimentos técnicos de Nacaratto e encarregou Jacyra das concepções das cenas. Pensando na sonoridade e no fascínio com que os americanos sabem dotar as suas estrelas, discutiu com Jacyra e decidem trocar-lhe o nome pelo de Cléo Verberena. Ele adotau o nome de Lais Reni.

Antes de começarem as filmagens, César, Cléo e os técnicos viram dezenas de vezes, nos estúdios da Épica, um filme com a atriz Billy Dover, a pedido de Cléo. Ela mandava voltar a projeção, pedia para parar e acender as luzes, tomava notas em um papel.

Finalmente, deram o primeiro giro de manivela. Com Nacaratto do lado orientando e Medeiros na câmera, Cléo ditou os enquadramentos, corrigiu os atores, fez perguntas contínuas sobre a iluminação. E, quando ela própria foi entrar em cena, deixou tudo antes detalhado para os técnicos.

Terminado o filme, começou a batalha para a exibição. Latas debaixo do braço, lá ia o jovem produtor atrás dos donos das casas. Conseguia o seu intento algumas vezes, mas as receitas estavam longe de cobrir os enormes gastos com as despesas feitas para a Épica.

Enquanto pensava em outras praças e outros filmes, César, aproveitando a popularidade que Cléo adquiriu, resolveu ser empresário teatral, montando revistas com sua mulher. Todo o dinheiro que eles ganharam — nesta altura, ela mais do que ele — foi levado para a Épica, não só para cobrir os rombos, mas também para alimentar os sonhos de novos filmes.

Cleo de Verberena ainda marcou sua presença no cinema brasileiro, assinando o roteiro de ´Casa de Caboclo´, filme dirigido por Augusto Campos em 1931.

Mais de um ano se passou com Cléo trabalhando intensamente, colocando todo o dinheiro que ganhava no cinema. César mostrava desânimo, começava a sofrer intensamente dos nervos — a mulher assumiu o comando da Empresa.
Suas esperanças renasceram diante da possibilidade do filme se exibido no Rio e, em outros lugares. A diretora viajou para a antiga Capital Federal, com o filho, a fim de fazer os preparativos do lançamento carioca. Então, estourou a revolução de 1932. A família ficou separada, sem possibilidade de encontrar-se. Quando puderam se reencontrar, César já era um homem totalmente aniquilado. Morreu em sua cidade natal aos 35 anos.

Com a perda do marido, Cléo abandonou o cinema e a vida artística. Anos depois, voltou a casar com um diplomata chileno e, com ele, viajou pelo mundo, levando o filho do primeiro casamento.

Continuou, entretanto, amando o cinema. Durante o resto de sua vida, demonstrava orgulho pelo seu pioneirismo. Ninguém, porém, se referia, em notícias ou reportagens, a isso. Só uma vez — seu filho não sabe como — alguém de um antigo programa de Hebe Camargo, procurou-a para levá-la a uma entrevista. Era tarde demais.

Sua investida como cineasta, em 1930, fez escola, marcando a abertura de um ciclo ininterrupto da efervescente contribuição das mulheres na construção de da identidade dos filmes brasileiros. Nessa galeria estão nomes como Carmen Santos e Gilda de Abreu nos anos 40, a presença das italianas Maria Basaglia e Carla Civelli no nosso cinema na década de 50, Zélia Costa e Helana Solberg nos anos 60, e a partir dos anos 70 até os dias atuais de cineastas da envergadura de Ana Carolina, Tereza Trautman, Suzana Amaral, Lenita Perroy, Tizuka Yamasaki, Maria do Rosário, Vanja Orico, Vera de Figueiredo, Ana Maria Magalhães, Carla Camuratti, Tata Amaral, Eliane Caffé, Bia Lessa, Monique Gardenberg, ente outras.


Fontes: Texto foi baseado nas informações do filho de Cléo Verberena, sr. César Melani; Site Almanack Paulistano; Mulheres do Cinema Brasileiro.

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